Universo Insuflável

sexta-feira, 27 de julho de 2012

Éris II

chegado o dia
lamentarás ter de ter chegado
o dia para entender que não se vive
ou sobrevive à cobardia
ou ficarás contente
por esse dia ter chegado
e não mais teres de lembrar
eternamente?

quinta-feira, 28 de junho de 2012

Éris

que tempo é este que adormece

e é longe até deixar
saber que é perto
que apaga até o sonho
mais discreto
mói até as pedras do deserto
até que as leve de enxurrada o esquecimento
e as cale para sempre em porto certo.

que obriga, que coage, que fatiga
e vence por remorso e desconserto
que diz corre. e fuzila pelas costas
sem sino ou brado
que tortura pelo gosto do fadado
que diz vive, mas vive calado
de mãos nos bolsos, sorriso armado
sem dar a alguém quem és
(quanto te sonhas)

vive... mas vive só e rodeado
pelo medo desse risco tão certeiro
dessa bala sobre ti já disparada
ao veres mais alto o permitido ver esperado
se disseres não. assim não passo. assim não quero
por que hei-de correr cego
nesse campo de minério
que jamais pagará a fuga a tempo?

não. se vou perder, então eu espero,
ardo, fico, ranjo, e desespero

até que grite em mim por quem eu grito
até que crie um tempo mais aflito
mais desperto
infinito
incompleto.

domingo, 13 de maio de 2012

Olho este malmequer

Fez ontem anos
que as aves acordaram
outra vez a voz dos ramos

que o sol se fez senhor não convidado
que em qualquer parte se cantaram
verdes planos
dum outro dia em que a esperança
fizesse anos.

Foi ontem, lembro exactamente.
Fez anos que a vida correu condignamente
e eu atrás dela a indigente
gesticulando (escrevendo, escrevendo sempre)
fez ontem anos, ou quem sabe um só instante
e toda a vida

sei que ouvi ao perto a cotovia
e as corujas enganadas
que quase me iludiam

(breve dia, eterna hora?)
soa a nunca esse outrora que corria
pela brisa de ser data não desfeita.

E no entanto, sei.
olho este malmequer.
fez ontem anos.

Fez ontem anos de um dia qualquer.

quinta-feira, 10 de maio de 2012

Cenotáfio

Há quem passe pela vida
sem nunca ter tido um desgosto
sem nunca ter estado indisposto
sem nunca se opor ao imposto

há quem mate fronteiras
e encurte cidades
e ame todas as caras por vê-las
e queira os corpos que há nelas
e se cumpra e se dê

há quem morra feliz
sem nunca ter feito uma promessa
e nunca sonhar ou haver de cumpri-la
e encontre e goze e perca
sem nunca encontrar ou perder
gozando só, continuamente

e parta sorridente
para o reino do que nada mais
há-de ter para vir.

Por que haveria eu
de demorar nos teus olhos
o tempo vão de não
te consentir um deles?

por que haveria eu?